25 de fev. de 2011

Palavras, apenas

As palavras irrompem como a fome, intransigentes, urgentes
Violam a harmonia das estranhas, compõem novo caos de melodias, vozes
Não cessam enquanto não saciam, persistem, consomem as reservas, as forças,
Chegam à carne, adoecem os músculos, enrijecem, silenciam

As palavras queimam como o frio, gangrenam as vísceras, os reflexos, as lembranças
Insurgem tempestuosas, exigentes, arrogantes, incondicionais
Ameaçam soprar certezas, devaneiam, enlouquecem

As palavras impõem-se, sem educação, cuidado, zelo, respeito
Sem permissão escalam os braços, as cordas, se gritam mudas, insistentes, pertinentes
Ausentam-se presentes, fixas, olhadas, molhadas, faladas, comidas

As palavras afirmam-se, impetuosas, charmosas, formosas, insinuantes
Seqüestram o fôlego, o cheiro, o gosto, o aconchego
Seqüestram a alma, o delírio, o suor, a razão
As palavras são como a paixão

24 de fev. de 2011

Ama relo

Gira, sol.
Doze meses, doze horas no centro do mapa.
Cinco meses, cinco horas nos pólos do globo.
Gira à frente e atrás, céu.
Hora se põe no Sul, numa montanha qualquer ocular.
Hora se põe no Norte, na cordilheira oceânica, ilha da cara.
Íris.

Gira, sol.
Foge só até o inverno passar.
Cede seu posto pra aurora, a borear as luzes da noite.
Dá espaço, lugar pra constelação,
Pra estrela cair.

Gira, gira mundo, ventos, tempos, sol.
Mas volta, migra, vem com a andorinha, veranear.
E floresce,
Girassol.

Transe

Somos seres simbólicos.
Designamos símbolos para expressar sentidos e sentires.
Substantivos, verbos transitivos diretos, singulares, plurais, em todos seus tempos e espaços.
Preteridos, nós?
Pretensiosos, talvez.
Nos confundimos, as vezes.
Nas palavras, símbolos, sinais.
Confusão, substancial.
Seria estado intransitivo?
Dá não.
Decido que transgride, transmuta, direta e indiretamente.
O tempo é que ainda substancia.
E os verbos, até quando se substantivarão?
Espera.
Só o quanto pode, pra não intransigir
e entristecer.

Cartas áridas de mar

Uma flor para cada dia, uma, outra e mais uma
Margaridas coloridas, no mar azul sulfite
Se rosas fossem, dor apreenderiam
A delicadeza aprenderá nas cores
Cores de quem ama, e chora por seu ofício

16 de fev. de 2011

A Tempo(s), Modernos!?

Certa vez escrevi, nos meus tempos de colégio, que a humanidade aos poucos se tornaria escrava de sua própria Ciência e Tecnologia, as quais, como aliadas, far-lhe-iam muito mal. Já bem recentemente, numa aula ministrada para a sétima série, proferi discurso mais ameno. Disse apenas que ambas são e estão postas como ferramentas humanas, cabendo a nós, seres sapiensantes, selecionarmos delas bons ou maus frutos. Por vezes discordo de mim, por outras tantas, não poderia concordar mais. Assim como meus muitos discursivos “eus”, tanto a Ciência quanto a Tecnologia, o pensamento e, porque não o desenvolvimento, são ambíguos, por se tratarem de produções humanas, como conceito e ato. E como tal, possuem premissas, prerrogativas, conjecturas passíveis de erro, de falseabilidade, de falsidade, de contestação, de julgamento. Em contrapartida, justamente por sua característica humana, são também detentores de potencial de mudança, de afirmação, de progresso, de beleza.

A palavra desenvolvimento, por exemplo, é bela. Talvez ainda mais belo seja seu aroma frutífero, seu gosto agridoce do Pré-Sal, gosto transposto, das águas do São Francisco; gosto acelerado do PAC, esperançoso, do tratamento contra o câncer ou contra a depressão, particulado, de um acelerador suíço. Tão belo se suporia o sorriso bem remunerado do educador, o sindicalmente garantido do pesquisador, aquele dignamente qualificado do trabalhador, o tolamente humanizado, de uma perereca multicor imóvel para o flash num fragmento qualquer de Cerrado, Mata Atlântica ou Floresta Amazônica.

A Ciência supõe produção, ou a pressupõe. Produção de saberes, de técnica, de tecnologias, de partilhas. Compartilhar novidades, avanços econômicos e humanitários, melhorias básicas e altamente luxuosas, as simples e as deveras complexas. Partilhar principalmente a si mesma, como oferta e produto, ferramenta tocável, acessível e entendível a todos; como processo, formação e informação, para além de setores específicos, politizados, elitizados ou academicizados, assim como o pão, a água, a aposentadoria, o salário mínimo, a cesta básica. Comunicar, enfim, mas não só. Relatar fatos, mas também incitar indagação. Divulgar, em parceria com as mídias, conhecimento e acontecimentos, prós e contras, intervalos de confiança e desvios-padrão, criando assim condições reais de interiorização, reflexão e domínio do saber. Tudo isso também é suposto e pressuposto, do desenvolvimento de um país.

De uma Nação espera-se coerência, na consCiência que em nós reside. Nem tanto um romantizar Kantiano, nem tanto um determinismo afoito, tampouco um reducionismo (Des)cartesiano ou um mecanicismo industrial. Nem tanto Espaço, nem tanto subsolo. Não se almeja o menos, mas tampouco o tão somente. Espera-se, além do benefício, poder também beneficiar, criar, andar com as próprias pernas; progredir na economia e na filosofia, no seqüenciamento de pares de bases nitrogenadas e nas tubulações de água e esgoto, em Furnas e na merenda escolar, nos quatro “erres” e na desaceleração do consumismo, no óleo de mamona, álcool da cana e no incentivo ao transporte coletivo, na exportação e no subsídio ao pequeno produtor, nas commodities e no declínio da curva, quase reta, do superaquecimento.

Da Ciência e Tecnologia espera-se apoio. Não finalidade. Tampouco salvação. Apoio. O mesmo que se espera da senhora quilombola com seu saber tradicional sobre as plantas medicinais da Reserva em que mora, aquele que se espera do agricultor que sabe, na brisa da manhã, o período certo pra o plantio e para a colheita. O apoio para a construção do conhecimento, de um talvez “fazer científico além da Ciência”. Um fazer que transborde limites prévios, que extrapole, sem ignorar ou negar, as paredes da Universidade e dos tubos de ensaio. Um fazer de cunho também humano e social. Um fazer comum, que busque parcerias para criar e se recriar, que se comunique com o mercado, com a economia, com a sociedade, com a sociabilidade, com a própria Comunicação.

A Ciência, como saber, não tem finalidade. Tem sim seu papel, como a arte, a religião, a política. Pensá-la como fim (como finalidade) pode trazer os perigos de um utilitarismo maquiavélico. Pensá-la como neutra pode enviesar seu foco. Pensá-la como puro prazer, pode transformá-la num instrumento de afago ao ego. Pensemo-na, então, como causa-consequência de um processo de desenvolvimento, mais que de um país, de uma sociedade, e por que não dizer, humanidade. Pensemos a ela como uma ambigüidade, de neutralidade confiável, contentável, contestável, falseável. Uma ambigüidade de belezas e tristezas, afirmações e negações, potenciais para o sim, para o não, e por mais paradoxal que possa parecer, para o talvez, esta dúvida que a permeia, a falseia, dá-lhe esperança e não a deixa cair na armadilha da dicotomia, do maniqueísmo. Pensemo-na como ferramenta, como responsabilidade, como crítica, como também passível de autocrítica. Pensemos nela, ainda, como potencial, de mudança e de manutenção, de comunicação e de informação, de crítica e de construção, de conscientização, produção e reflexão. Produção de tecnologias, de idéias, de formações. Reflexão de ideais. Para que seus produtos não sejam simplesmente aceitos como senso comum ou verdades intransponíveis e incondicionais; para que não sirvam apenas para reificar conceitos prévios ou novos pré-conceitos; e para que ambas, Ciência e Tecnologia, não caminhem para ser o cavalo de Tróia da modernidade, como outrora eu pensei e escrevi nos meus tempos de colégio, mas para que também não sejam ou se revistam da neutralidade casta posta no meu discurso, durante a aula ministrada para a sétima série.

Som ar água.
Não está tudo junto, nem separado.

13 de fev. de 2011

Alivia

Ali via varanda, com frente Parati.
Pele branca, vultosa maestria, repousa no cais.
Velonge vejo, carvalho sem dono, vinho romã.
Rumo a bombordo, no vento, à proa,
Ali vinha tecido, traçado, novê-lo.
Revés popa, suco coco, bolo-mar aqui, ali, acolá.
Maracás, entre nós, ali via marejo, anseio, velejar.

Baile de Máscaras

Um samba de Noel e um chopp vestido de branco
Um traje de gala e uma câmera aprisionando instantes de efemeridade
Uma reforma nos móveis, nos cômodos, na casa, na razão, na vaidade
Um expresso duplo com espuma de leite
Uma verdade

Inundação

Chove na torneira e no filtro da cozinha
Chove no chuveiro e no sabonete líquido do banheiro
Chove nas paredes e no travesseiro do quarto
Chove na espera da sala
Chove no vazio do quintal
Chove na rudeza da pétala do jardim
Chove em mim
Muito

11 de fev. de 2011

Ter sonho de outros, de alguns muitos tantos que se ama, gosta ou conheçe
Ter sonhos reais, simples ou até comuns, sonhos, apenas sonhos
De vida, empregos, prosperidades, vontades, pessoas, famílias
Filhos, maridos, esposas, casais de amigos, casais, casas, casulos, carnes

A crença no instante é como nó de vestido largo, que se aperta até o estralar da costura, para não cair.
Aperta como casca de uva na boca, doce pra não crer azeda.
Aperta como mãos que se beijam, olhos que não se calam.
Como corda de peão de criança, justinha pra fazer rodar
E roda, roda quanto mais madeira é, dura, seca, de metal na ponta.
Roda mais no alfalto liso que na calçada de pedra rústica
E na mão do menino roda leve, suave, embora de metal de ponta ainda seja.
Metal amalgamado, de liga, que parece duro, mas quando quente, já foi líquido.
Líquido que derramou em mim e solidificou, como rocha, que não quer quebrar, não quer sair, mas não que ficar.
Rocha que nem com água "sede", tanto bate, mas não fura, não molda, não muda.
Peso que em mim afunda, bate forte, em dupla, uma mais forte, outra mais muda.
Bate em noite e em dia, bate até me cansar doer e me desanimar, por não parar de bater.
Bate de ensurdecer, de transbordar, metal quente que ainda está, que é, que não findará de ser.
Se sonho de outros também fosse, gostaria eu de parar de bater.

9 de fev. de 2011

A fundo

Ela levantou-se no mais tardar de sua hora inventada e pôs-se a pensar como se sonhasse.
Não saciou sua fome de prazer, deixou a cafeína posta à mesa e o cigarro deitado no canto dos olhos.
Fumou as rosas do jardim e bateu a porta da frente tão forte que estremeceu seu corpo vil.
Tirou a camisola suada de sentir e correu pelo asfalto escaldante de uma noite inteira.
Correu, reluzente em cada centímetro seu, suas pernas e busto desnudos, dançando suaves no bailar dos seus olhos de gato, sorrateiros, mareados, ressacados.
Suas mãos sedentas e cansadas de noite estendidas ao céu, como que procurando a redenção inatingível da pureza maltratada, submissa, arrependida, desejada.
Assim ela partiu, com sua pele sonhada de nanquim e madrepérola, seus olhos fixos no sem fim do asfalto, cabelos longos confundindo a silhueta e a boca, seca, úmida de palavras e fios e nós.
Correu como se fugisse, partiu como se ficasse, queimou como se chovesse.
Derreteu-se debaixo de uma árvore, as costas repousadas no tronco áspero, as pernas encolhidas sobre o peito, um braço repousado nos joelhos, o outro levantado à sua frente, doce frente.
Escorreu-se seu sussurrar de baixo tom, temperando a relva do fim de tarde.
Amou como pôde.
Reinventou sua hora marcada e deitou-se,
Como se vivesse.

7 de fev. de 2011