23 de fev. de 2010

Herói

O meu pai gosta muito da palavra mistérios
Ele sempre me diz: " A vida é cheia de mistérios"
O meu pai, pra mim, sempre foi um grande mistério...
A sua simplicidade e calma inabalávies, o seu bom humor, a sua bondade...
Eu acho q demorei 25 anos pra perceber o tamanho da minha admiração por ele..

Hoje sentamos pra conversar, como há muito não fazíamos... e eu prestei atenção a cada detalhe, como há muito não fazia... bem mais que cinco meses...
O meu pai gosta muito do céu...
Entre todos os dados numérico que ele me contou sobre a lua e os planetas (ele é muito bom em memorizar dados numéricos), ele disse a coisa mais linda que eu já ouvi : " O sol é tão grande, que ilumina o muunnndo todo... o munnndo todo"...
Disse isso olhando para um ponto fixo no horizonte, com um leve sorriso nos lábios...
Estava de noite, mas o meu sol estava ali, sentado na cadeira ao meu lado... um pouco cansado, de brilhar por tantos anos... mas ainda com um brilho tão forte, que me emocionou, como há muito não fazia...
Talvez eu esteja ficando velha...
O meu pai daria um bom astrônomo... mas aí, deixaria de fazer poesia...

Um pouco antes, estávamos assistindo à TV, eu, meu pai e minha mãe, fechados no silêncio da novela das oito e no barulho do ar condicionado da sala
Eu ouvi uma velha música que dizia: "Tem dias que eu fico pensando na vida e, sinceramente, não acho saída"...
O meu pai se levantou e foi até o andar de cima, voltou até a escada e disse: "Tem uma brisa gostosa aqui fora"...
Eu, não como de costume, dei-lhe ouvidos e fui até a brisa... e dela surgiu a simplicidade que eu, há pouco, na sala escura e fria, sentia tanta falta...
"O que fizemos, ou o que fizeram, com nossas vidas"? passei a me perguntar...
Enterramos nossos momentos de beleza na TV de plasma de 50 polegadas e nos noticiários gélidos e novelas fúteis...
Desaprendemos, desde crianças, a dar valor às conversas e à experiência dos nossos entes tão próximos e tão queridos, e em contrapartida valorizamos os ensinamentos científicos, diplomados, midiáticos
Passamos grande parte da infância e adolescência mergulados em nosso egoísmo afoito, pra depois sofrermos ao reaprender o quão belas são as palavras simples e sinceras de nossos pais, avós, bisavós...

Eu ouvi a música e me lembrei do noticiário que dizia sobre o "incidente" que matou 27 civis na guerra do afeganistão
"Esse tipo de incidente prejudica a credibilidade da Otan"... credibilidade? pensei se, algum dia, eu cheguei a dar mais credibilidade à OTAN do que ao meu pai... e me aterrozei ao pensar que, talvez, sim...
"Acontecimentos como esse podem ter um alto custo político à Casa Branca", disseram o repórtes
Custo político é cunho que eu não desejo, nunca, usar nas minhas relações.... nem isso, nem popularidade, nem nada que ateste a minha burrice, arrogância e politicagem
Desejo fazer cada vez menos política nesse vida... nem que para isso eu tenha que me resgaurdar dentro do meu mundinho... se ele tiver sóis e luas como meu pai, eu consigo, muito mais do que sobre, viver...

A senhorinha que carregava, nas costas, 3 sacos de lixo carregados de recicláveis, me desejou a bênção... e não foi porque eu lhe dei o leite que seria sua janta, mas muito mais porque eu gastei com ela cinco minutos de prosa... ela tinha os olhos verdes e o cabelo vaidosamente pintado de branco, embora suas roupas e seu cheiro de suor não demonstrassem tanta vaidade... ela me lembrou alguém, outrora bastante querido, porém que saiu da minha vida como se nunca tivesse existido...

Eu e o meu pai falamos muito hoje, como acho que nunca fizemos... eu culpo a mídia, a banalidade e a mim mesma por isso...
Ele também falou de morte...
E eu fiquei aterrorizada...

19 de fev. de 2010

Mais do mesmo

Ainda existem euros na minha carteira vermelha
No meu horizonte ainda vejo o sol se pôr no mar e a água rodar no sentido horário, embora minha pia agora esteja no hemisfério Sul
Ainda abro o armário dos copos procurando o sabão em pó, embora a máquina de lavar, aqui, não se encontre na cozinha; ainda levo minha necesseire de shampoos para o banheiro, embora aqui este se localize dentro do meu quarto; ainda me viro para o lado esquerdo, na cama, procurando o abajur, mesmo que aqui eu não possua um abajur; ainda acordo, diariamente, as 08 horas, horário de Londres...
Ainda tenho 2 malas, de 32 kilos cada, aguardando pacientemente no chão do meu quarto, porém agora para serem desfeitas
Ainda aqui permaneço, apenas 7 mil quilômetros mais deslocada...

"Já me fizeram muito mal", disse a senhorinha falante, no autocarro 18, um dia antes da minha partida...
Ela queria descer na Universidade, pois assim ficava mais perto para chegar em casa, empurrando seu carrinho de compras
Ela comentou que outrora haviam lhe dito a paragem errada pra descer, o que ocasionara seu cansaço pra chegar em casa
Eu ajudei-a a subir no autocarro e ela, ao saber do nosso destino em comum, comentou: "então me vou contigo"
Eu consenti, mas sentei-me distante, porque ela falava muitas coisas sem parar e eu queria me despedir dos caminhos da cidade
Ao parar do autocarro, no ponto da Universidade, desci com pressa para apanhar os cinco minutos finais dos serviços acadêmicos, e pensei que a senhorinha, lá no banco da frente, saberia que o ponto onde todos desciam, era o ponto requerido também por ela
Mas ao descer do autocarro, percebi que ela ainda lá permanecia, e olhava para trás, para onde outrora eu estivera sentada...
O autocarro, mais que depressa, fechou as portas e foi-se embora...
Conjecturei que ela desceria no outro ponto, também dentro da Universidade e talvez mais perto de algumas casas...
Talvez mais perto da casa da senhorinha...
Talvez...

Também o "talvez" ainda me acompanha...

A senhorinha, ao falar do mal, falava de portugueses
E eu, apática diante da sua fala e aterrorizada pelas possíveis respostas que me vieram a mente ( "a mim também" ou "ainda podem fazer muito mais"), disse apenas: pois...
E eu já não sei mais em que língua falei ou com qual nacionalidade agi, com ela...

"Um homem bom que não faz o bem, é um homem mau"...
Acho que serve pra mulheres também...