23 de mar. de 2010

Olhos, para que lhes quero

A aula era sobre a sensibilização do olhar. Então eu olhei.
Vi olhares atentos, cansados, vagos, alguns até vazios. E vi num deles a arrogância. Foi no meu.
Então me sensibilizei com o peso e a prepotência do olhar projetado. O meu, estava cheio de ambos naquele momento. Juízo de valor, talvez.
Não pude deixar de me lembrar do sorriso do gari que amontoou todo o lixo da rua em frente a minha casa. Era um sorriso quase azedo, um branco que reluzia em plena alvorada. Me sentiria até sensível se junto com a beleza daquele sorriso não se tivesse despertado em mim a podridão do meu próprio lixo. Então, naquele momento, o meu olhar enxia-se de caos, desânimo e auto-crítica. Não deixou de ter arrogância.

Estive a pensar sobre as estreitas relações entre o conhecer e o arrogar. É, acabo de inventar um verbo, derivado do substantivo que por duas vezes já utilizei. E olha que engraçado, acabei praticando deste (do substantivo) ao "saramaguear" um verbo novinho, só pra mim. Um não, na verdade agora dois. E mais engraçado ainda foi descobrir, logo após esta escrita, que o verbo que achei ter inventado, que incrível!!, já existia. É disso mesmo que estou falando. Da arrogância que o conhecimento traz.

Ando pensando nisso desde que me dei conta que o pensamento humano é nada mais que espiral. Desde que o homem inventou o mundo como conceito, ele conceitua idéias e ideais, que são reconceituados again and again and again. A cada vez com um atributo ou outro que se diferencia, o que faz a curva da elipse pular um pouquinho pra frente. Mas a grande parte é apenas "re".
Pensar assim me faz achar graça na palestra que vi ontem. Críticas Sobre o Conceito de Aquecimento Global. Pesquisadores dizendo, desdizendo, redizendo. Muitos vão dizer: "É assim que se produz ciência, e muito além dela, conhecimento". Eu não discordo. Só me questiono.

Também ando tendo experiências com o substantivo em questão. Algumas delas dizem respeito a extremos. Eu acho que concordo com Sócrates, sobre o diálogo.(E aí, olha eu voltando lá, em algum ponto da espiral). Mas não consigo me dar muito bem com a retórica. E o motivo é muito simples:ela se disfarça de dialética, pra na verdade ser sofisma. Mas isso é só o que eu acho.  E os extremos, que citei, têm muito a ver com isso. Com o nosso achar. Que por sua vez, têm a ver com o tal substantivo (arrogância). O grande problema do extremo, na minha opinião, é não respeitar o querer. Porque, a partir daí, ele, que poderia ser diálogo, vira oratória.
É aí que entro novamente na questão do conhecimento. O meu conhecer, de lixo, Sócrates, Saramago, aquecimento global, me permite a arrogância deste discurso. E ao dialogar com meu próprio texto, afago meu ego. E tudo isso só é fruto da sensibilização do meu olhar. Enxergo meu lixo, a ciência, os extremos de pensamento, a influência que o conhecimento traz. E não digo que o que digo é algo novo, muito pelo contrário, é o mesmo velho, o "re" do qual falei cima. Também não digo que pensar assim não é extremismo. E muito menos digo que essas idéias que aqui desabafei contribuirão para o pulo da espiral.

Livres de influência, nunca estaremos. Nem do discurso, sofisma ou diálogo.
Minhas influências pessimistas estão recheando este texto. Meu olhar extremista, sensibilizado pelo cheiro do gari, também.
Ler este texto, entretanto, é uma questão de escolha. E é disso que falo quando cito o respeito ao querer. E é do que não falo, ao falar dos extremos.

Um amigo, ontem, me disse: "É muito mais fácil ser ignorante". Eu acho que ele estava falando sobre a simplicidade. Então eu acho que, na verdade, é muito difícil ser simples. Exige menos respostas, mas não necessariamente menos perguntas. E a sede pelo saber, quando não tem resposta, tem mito.

Uma Pessoa disse que as coisas são, simplesmente, as coisas.
E outra disse: "toda vez que ouço alguém dizer que quer mudar o mundo, tenho medo"

Eu não sei quando é que temo mais. Se é quando ouço isso, ou quando não ouço nada.

11 de mar. de 2010

Música do coração

Uma amiga me chamou para ouvir um som de uma banda nova...
Antes de iniciar a música, ela me disse: "mas é meio forte..."
E a canção começou...

"Minha mão pequena bate no vidro do carro
No braço se destacam as queimaduras de cigarro
A chuva forte ensopa a camisa, o short
Qualquer dia a pneumonia me faz tossir até a morte
Uma moeda, um passe me livra do inferno,
Me faz chegar em casa e não apanhar de fio de ferro
O meu playground não tem balança, escorregador
Só mãe vadia perguntando quanto você ganhou
Jogando na cara que tentou me abortar
Que tomou umas cinco injeções pra me tirar
Quando eu era nenê tento me vender uma pá de vez
Quase fui criado por um casal inglês
Olho roxo, escoriação, porra, que foi que eu fiz?
Pra em vez de tá brincando tá colecionando cicatriz
Porque não pensou antes de abrir as pernas,
Filho não nasce pra sofrer, não pede pra vir pra Terra.

O seu papel devia ser cuidar de mim, cuidar de mim, cuidar de mim
Não me espancar, torturar, machucar, me bater, eu não pedi pra nascer
Minha goma é suja, louça sem lavar,
Seringa usada, camisinha em todo lugar
Cabelo despenteado, bafo de aguardente `
É raro quando ela escova os dentes
Várias armas dos outros muquiadas no teto
Na pia mosquitos, baratas, disputam os restos
Cenário ideal pra chocar a UNICEF,
Habitat natural onde os assassinos crescem
Eu não queria Playstation, nem bicicleta
Só ouvir a palavra "filho" da boca dela
Ouvir o grito da janela "A comida tá pronta",
Não ser espancado pra ficar no farol a noite toda
Qualquer um ora pra Deus pra pedir que ele ajude
A ter dinheiro, felicidade, saúde
Eu oro pra pedir coragem e ódio em dobro
Pra amarrar minha mãe na cama, pôr querosene e meter fogo

Outro dia a infância dominou meu coração,
Gastei o dinheiro que eu ganhei com um album do Timão
Queria ser criança normal que ninguém pune,
Que pula amarelinha, joga bolinha de gude
Cansei de só olhar o parquinho ali perto,
Senti inveja dos moleque fazendo castelo
Foda-se se eu vou morrer por isso,
Obrigado meu Deus por um dia de sorriso
À noite as costas arderam no couro da cinta,
Tacou minha cabeça no chãoBatia, Batia, me fez engolir figurinha por figurinha
Espetou meu corpo inteiro com uma faca de cozinha
Olhei pro teto e vi as armas num pacote,
Subi na mesa, catei logo a Glock
Mãe, devia te matar, mas não sou igual você
Em vez de me sujar com seu sangue eu prefiro morrer...."

E após isso, vem o barulho....

Alguém pode pensar: é exagero
O que me aterroriza é pensar que a chance é bem grande de não ser..