14 de mai. de 2010

Tanto e tãopouco

Ouvindo a melodia de um antigo pas de deux, desenterrada dos meus tempos de ballet, percebi que ela tinha um "quê" de fantasma da ópera.
Fantasmas meus, mais do que de óperas quaisquer
Nenhuma relação com a música que tocou hoje cedo na academia de musculação
Talvez tenha recordado o ballet para tentar conter minha irritação às 8 da manhã, após séries de repetições diversas e 20 kilômetros rodados em um metro quadrado, vendo o jornal da manhã
Não que outrora, dançando o tal pas de deux às oito e meia da manhã de sábado, minha irritação fosse menos incisiva
Era, talvez, apenas menos intrusiva
Tempos modernos, jà hà muito tempo trás

Falamos de Chaplin na mesma aula que discutimos Foucault
As prisões do corpo, as esferas de poder
Corpos dóceis, era o tema da discussão, docilmente feita em círculo
Os mesmos círculos feitos pelos pedais abaixo dos meus pés, na academia
Docilmente eu me irreitei, já que a rebeldia seria contra mim mesma
Já a irritação, posso delegar

O delegado não interveio no roubo da bolsa da senhora, dentro da delegacia
Ele também delegou, sua função a outrem
Funcionando assim, os tempos também fazem círculos, dóceis, resignados ou abnegados, não sei ao certo
Sei que minha irritação se esvaneceu, na louça sobre a pia, no garagem repleta do xixi do meu cachorro, no pedido de uma amiga
Não nestas coisas em si, mas no que, delas, me remeti
A cerveja de ontem a noite, meu cachorro e minha amiga

13 de mai. de 2010

Voando baixo

Eu vejo o mundo com a minha história.
Estava escrito num texto do Gullar, sobre a importância do olhar.
Ele falava sobre o Barroco e eu logo abstraí a época.
Extrapolei o tempo, o conceito. Não meus olhos. Não minha realidade.
Me lembrei dos dizeres da moça da fila do banco: "aqui a gente é só mais um número".
Fiquei a pensar sobre a morada do "aqui". O banco, a Universidade, o país, o Universo.
Percebi que aquela pode ser qualquer uma e que este, o último, também.
A escala não parecia importar à tal moça. Tampouco importa a mim.
"Penso mudar o mundo usando borboletas", ouvi outro dia.

A minha história conta e enumera um mundo, só meu e de todo mundo. Meu Universo, na minha casca de todos nós.
"Ilha é tudo em nós que ainda vive, cercado por tudo que mataram", disse o Oswaldo.
Essa frase sempre me causa um enrijecimento interno, como que me transpondo à sua história, tão própria.
Tão minha.
Se nossa realidade não fosse tão própria como tenta ser apropriada, veríamos a ilha como pedaço de terra.
Eu vejo-a como todo oceano.
E alguém até pode tê-la como lágrima na cara.

Estava eu vagando em números, na fila. Números próprios, cifras, e outros estatisticamente emprestados, inexistentes. Dinheiro virtual e valores tão reais, na moça ao meu lado.
Fiz juízo aos lábios, esboçando um sorisso meio contrariado.
No sensível dos meus olhos, o que me contrariou foi não acreditar em borboletas.

10 de mai. de 2010

o outono dos meus olhos

O inverno ainda não chegou, mas o azul diferente do céu trouxe o lilás do meu cachecol
Seria primavera, se não fosse outono de ano inteiro, de novo
Seria a esperança a cair, se não fosse o esperar, demais
Esta, assim, fica meio guardada, meio inquieta, meio tentando amarelar
Não tenho parques de estações, nem as fotos dos que vi, aqui me fazem esmerecer
O lilás do meu vestido espera pra surgir na luz daquela outra lua
Lua nova, que hoje me esperou, com ares maduros de verão

o outono no Parque de Serralves, Porto, Portugal