17 de abr. de 2011

Anos Incríveis

What would you do if I sang out of tune,
Would you stand up and walk out on me?
Lend me your ears and I'll sing you a song
And I'll try not to sing out of key.

Oh, I get by with a little help from my friends
I get high with a little help from my friends
Gonna try with a little help from my friends

                 (A Little Help from my Friends, dos Beatles, mas mais legal com Joe Cocker)

Noite de sábado, rádios que acessam a internet, tiram fotos e ainda servem como telefone, em alto e bom tom na praçinha escura. Uma lata de had bull vazia brilhando na grama, uma lua bonita, me lembrando um filme antigo qualquer. Risos e açoitos apresentam uma roda de meninos, adolescentes, no escuro da praça. Meninos que outrora foram meus tios, meu pai e meu irmão; meninos que ainda serão meus sobrinhos, os filhos de meus amigos e quem sabe também os meus. Imagino uma roda de garotos de cinco anos, numa escola elitizada qualquer. Imagino-os numa manhã de sexta feira, com seus brinquedos da Hot Wills e roupas da Chico, chegando aos poucos nos monstros lustrados de seus pais, que os chamam carros. Chegando e se posicionando na roda, um a um, conforme suas afinidades de crianças de cinco anos. Imagino-os comentando sobre o estranho acontecimento da última noite, a visão aterrorizante de um dos garotos, um Vectra velho estacionando na porta de sua casa de bairro nobre. De dentro dele sai um velho amigo de seu pai e seu filho também de cinco anos, por conseqüência, amigo, ainda não de conveniência, do garoto. O garoto, estranhado com situação tão incomum, diz ao pai, meio de canto, sobre a inadequação do automóvel. O pai acha graça, concorda com a velhice do carro e deixa prá lá. O filhinho do dono do Vectra não estuda na mesma escola do garoto indignado, portanto, não está na roda de amigos da Discovery Kids I, II, III e mil. A roda discute, horrorizada, tamanha esquisitice. Posso ver os gestos e talvez ouvir algumas rizadas. Na manhã seguinte, o garoto diz ao pai que não quer mais que a mãe vá buscá-lo na escola com seu Peugeot sujinho e riscado. O pai não dá maior atenção ao filho, apenas diz que se ele não quer ir de Peugeot, que vá a pé. Liga o GPS do seu celular, que avisará sobre os radares, e segue para a escola burguesa do filho.

No meu romantismo quase Kantiano, essa situação não me parece o que aconteceria numa roda de garotos de cinco anos, independentemente da marca de seus brinquedos, roupas ou método de ensino. Se valores assim se constroem em rodas de garotos de cinco anos, então talvez eu entenda as rodas de homens de trinta, que falam de outro objeto de assunto, mais comum aos homens a partir da puberdade, como se falassem do objeto de assunto daqueles garotos de cinco. Eu me enojo desses homens de trinta, mas não posso me convencer da livre escolha de assunto daqueles garotos de cinco. Algo está errado. E eu não acho que seja os riscos do Peugeot, a velhice do Vectra ou tampouco a minha. Acho que entendo porque nunca gostei das rodas: por mais de uma vez, me esqueci que sexta feira era dia de exibir meus brinquedos; e até hoje, uso meu celular apenas para dizer alô.