15 de jul. de 2010

sim

O não é uma palavra importante
Não sei se consigo extrair dela muita beleza, mas sei que há alguma
Talvez a beleza se esconda na força que o advérbio traz
Ou ainda, na nossa própria, ao tê-lo no pé do ouvido

É fato que muitas vezes também é difícil tê-lo como um nó na garganta, esperando pra ser pronunciado
Principalmente quando, ao pé da mente, ou do coração, temos a consideração
Ou ainda quando, ao invés desta última, nos sobra a piedade

Na verdade, não me agrada muito nenhum destes últimos substantivos
Nem tampouco o advérbio
Não tanto pelo seu uso em si mesmos, mas mais pela culpa que eles deixam pelo caminho
Um amargo na boca, nos ouvidos, na consciência
Não posso, contudo, deixar de considerá-los necessários

Talvez a beleza se encontre na complexidade humana,
na arte de transfigurar substantivos, adjetivos, advérbios
na capacidade de afirmar nos lábios uma negativa expressa nos olhos e jeito
ou de negar nas palavras uma afirmação clara no peito
Talvez a beleza esteja na expressão silenciosa de substantivos nem tão belos
ou na interpretação muda destre silêncio gritado aos quatro outros sentidos

Talvez a beleza ensinue-se no agir, perante a necessidade do não
na (também) arte de não tentar transformá-lo em sim quando da necessidade ou vontade,  tanto de sua pronúncia, quanto de sua escuta
no aceitar de sua real condição adverbial
e no refletir sobre suas possíveis razões de ser

14 de jul. de 2010

esta[ciona]dos todos

Os meses são doze e os dias, 365
Fiquei a pensar se não poderiam ser 400, pra arredondar
No retângulo do meu quarto percebi que não, pois a conta tem algo de esferas
Círculos que ficam girando dentro de um grande espiral
Perguntei-me se não poderiam ser de uma outra forma qualquer...

Esse movimento suave, meio repetitivo, me fez voltar aos doze
Doze, que invertidos são vinte e um e que, no dezembro passado, trouxeram os vinte e cinco
Dezembro é um mês que me lembra o sol, mesmo que os vinte e cinco passados tenham se passado na neve, a menos 15
Acho que a lembrança vem dos meus tempos de menina, dos meus doze anos

Todo mês tem um quê de lembrança
Uma memória coletiva que constrói estações e a ela atribui dados
Num lance qualquer, os dados as vezes se dão por algarismos, que constroem dozes, vinte e uns e vinte e cincos
Constroem um ano inteiro

Minha lembrança coletiva de Julho sempre foram duas, o sete e a praia
Mesmo com a chuva e o frio, era o único set no qual o cinza combinava mais com o mar do que o azul ou o verde
Isso dava até um filme...

Mas eu sempre gostei mesmo foi de Maio
É um nome bonito, curtinho, e tem cheiro doce, de flor
E falando em flor, eu também gosto muito de Outubro
Do céu, das cores e do aroma também
Uma amiga se perguntava sobre a função da cor dos  frutos
Eu nunca tinha pensado que deveria haver alguma, só tinha até então achado bonito
Então pensei que, se esferas fossem espirais, os 365 poderiam ser 400 e os frutos poderiam ser coloridos por terem querido roubar, das cores, a doçura
Mas como esferas ainda são esferas, dados se traduzem em números e a natureza (nos) se traduz em dados,
um lance certeiro diz que os frutos são estratégicos em sua cor, ou  é ela o próprio resultado das estragégias de outrem
Assim como são os anos em seus dias e meses, a lua em suas fases,
e como são as memórias,
estacionais

13 de jul. de 2010

Avulsas

Eu sempre tive fichários
Acho que desde a quinta série, abandonei o caderno
O fichário era muito mais moderno e podia ter folhas de diversas cores
Além disso, cabia muito mais escritos... não tinha limite de palavras

Eu sempre me perguntei porque o fichário não chamava folhário, já que dentro dele iam folhas, e não fichas
Eu sempre entendi as fichas como algo padronizado e de folha única... dados fundamentais de alguém ou alguma coisa, para um propósito definido
Ao longo dos anos, fui aumentando o número de folhas dos meus fichários
E quanto mais folhas eles tinham, menos eu olhava pra elas...

Já faz algum tempo, eu briguei feio com o fichário
Não sei ao certo o motivo da briga, só sei que nela quase entraram as canetas e os livros todos
(Canetas eu também passei a usar na quinta série)
Mas aí eu resolvi comprar um caderninho
E nele escrevi sobre tudo e todos e sobre mim
ou sobre tudo e todos em mim, ou ainda o contrário, não sei ao certo

Só sei que andei com ele por muito tempo
Tanto, que passei a pensar estar fazendo dele um fichário
As folhas não poderiam durar tanto, a menos que as anotações fossem padronizadas e fundamentais
Aí fui em busca dos meus folhários, guardados no pó do meu armarinho velho
E entendi que a briga não foi por haver padrões, ou por não haver propósitos
Foi pela economia
Não de folhas, nem de fundamentos
Mas de mim

Estou refazendo as pazes
com ele
e também as minhas
E, por via das dúvidas,
ando escrevendo a lápis...