24 de nov. de 2009

Tende piedade de nós


"Óh Deus, tirai os pecados do mundo!",
disse a senhorinha cantora de uma bonita catedral do Porto.
Glória a Deus ela cantava, com voz quase angelical.
Digo quase, pois não cabe aos homens serem anjos, principalmente na casa do Senhor.
Se o murmurar cansado do padre em nada me cativava a permanência,
a doce voz da senhorinha e a imensidão imponente da Morada Divina me prendiam ao banco.
A imponência, a muito já se sabe, intui fazer-nos sentir infinitamente pequenos.
É para nos dar a dimensão de nossa insignificância.
Entretanto, eu não me sinto pequena perante ao ouro que reveste as  pedras do interior, aos azulejos delicadamente pintados no lado de fora ou ainda, ao branco da batina.
Sinto-me impotente.
A mesma impotência que sinto ao ver a pobreza nos nossos faróis, e até nesta praça em frente à Catedral.
Aquela mesma (impotência), que se ensena sobre meu imaginar, e quase até sentir, da aflição dos pecadores em murmúrios de redenção aos anjos e padres. Pinturas de memórias azuis, nos azulejos do poder divino.

Andamos delegando a Deus funções deveras. Funções de homens, "à sua imagem e semelhança".

O meu Porto-seguro não encontro em nenhuma Catedral.
Ele está no instante, aquele, que não me deixa admirar em demasia a arquitetura do berço cultural ocidental.
Que não me deixa, em verdade em verdade vos digo, admirar demasiado a própria cultura.
Consigo me prender mais às folhas amareladas que anunciam o findar do outono.
Não darei moedas à coroinha anciã, assim como não as dou ao menino negro habitante dos faróis abaixo do equador.
Assim como não as dei para comprar o pãozinho regado à toxico da moça-senhora moradora da rua da Catedral.
Deus mora na minha casa e nela também moram muitos anjos.
A minha casa está bem longe daqui. Ela é onde toda a gente está, mas ao contrário do que diria Arnaldo, não é em todo lugar.

"There's no way like home", já dizia uma música qualquer.

Parque da Galeria de Arte Moderna Serralves, na cidade do Porto

Um comentário:

betucury disse...

O meu porto seguro está no instante. Deixe fluir o instante, quase, ou talvez. Influir não me cabe, não nos cabe. Talvez, ou quase, releia a frase do texto tão rico, não em azuis, nem azulejos. Releia talvez, o que vem depois do porto seguro e do instante. Ele está seguro preso, ou seguro de segurança que nos traça morando em nossa casa? Releia, talvez por um instante, ou até por todos eles. É um pedido, sobre um texto belíssimo, afinal de contas, as folhas amareladas, também são lindas e a epigenética nos mostra um caminho que propõe fazermos de nós algo superior ao que tentaram fazer da gente. Um beijo nosso, com a cara da nossa casa, em todo lugar