10 de set. de 2011

Esperas e paixões

Havia um senhor sentado no banco de espera do veterinário. Havia um senhor sentado, há espera da sua solidão.
Havia uma moça sentada no banco de espera do veterinário. Havia uma moça sentada, acariciando a espera de sua solidão.
A espera do senhor tinha pêlos pretos. A solidão da moça, também.
A solidão do senhor era de médio porte. A espera da moça, era imensa.

O senhor passou pela moça, e na sala de espera lotada de solidões, a ela se refereiu num sorriso.
A moça passou seus olhos pelo senhor, e na solidão da sala lotada de esperas, reconheceu o sorriso do senhor.
Se conheciam.

Poderia esse conhecer ser apenas uma afinidade de esperas, ou de solidões. Mas não.
Conheciam-se de uma conversa em outrora.
O senhor não se esqueceu. E a moça jamais poderia deixar de lembrar.
Revisitou a moça aquela outra solidão. Uma de rua, de imenso porte, doente, atada por uma corda na beira da avenida, a esperar na calçada pelo seu senhor.
A moça parara o carro para averiguar, e então vislumbrou a espera daquele mesmo senhor.
"Teve cinomose, está com sequelas nervosas, fica assim, balançando a cabeça sem parar. Não consegue nem tomar água sozinho, mas sarou, está engordando e tomou banho hoje. Está aqui para tomar sol. Peguei da rua. Venha ver, tenho mais alguns aqui na minha casa. Todos de rua."
Foi assim que a moça conhecera o senhor.

Não havia pressa na sala de espera. Nem das carícias da moça, nem da quietude do senhor.
Não mais se entreolharam. Deleitavam-se de sua espera, tanto ele, quanto ela. Ambos a olhar fixamente pontos indefiníveis. Talvez as varizes sobressaltadas nas pernas do senhor, sua camisa branca amarelada, seus óculos embaçados, seu carro de para-choques batido. Talvez o jeans largado da moça, seus chinelos avermelhados, suas mãos a apertar-se uma a outra, seus lábios cerrados. Jamais se poderá supor.
A espera da moça entrou na sala do veterinário. E ao dela sair, não mais encontrou o senhor. Haviam outras moças, outros senhores, outras esperas. A mesma solidão.

A moça e o senhor estavam sozinhos. Mas não estavam sós.
Ela nunca esqueceria daquele senhor. E ele, não aparenta esquecer daquela moça. Numa tarde de outrora e nessa manhã de sábado, ambos se doaram e se roubaram a paixão da escolha.

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