A manhã desabrochou desajustada. Já não havia escuro e
tampouco sol. O tempo era mais uma denominação sem importância. A correria derretia-se perante a ânsia
interna sobre o novo, o realizar, o desvirtuar. A seriema doou seu canto pra
manhã que não trouxe o sol, apenas a luminosidade. Completaram-se. A construção
ao lado também emprestou sinfonia pra manhã de solitudes. Ambientes inundados,
imergidos, dentro e fora de mim. Há uma complacência muda no olhar do meu
cachorro, sobre o que faço no jardim, sobre o que faço nas flores regadas
dentro e fora do meu ser. Somos um, seres e flores e eu, afagando uns aos
outros na tentativa de reavivar o belo do dia, da ausência de sol e da noite
anterior, enluarada e fria. A respiração acalma, disse a professora em aula,
disse Buda e digo eu, todos os minutos com os quais travo batalhas ilusórias,
indispensáveis, infames e banais. A vida é mais. São as cores da grama e do ar,
são as vozes da construção e da minha quietude. Nesse dia regado a pensamentos
e sentimentos, como todos e tudo, são instantes que importam e me importam, e é
neles que deposito a potência criadora que invade o real. Palavras são poder,
ações são intimações para o real. Real é tudo o que invento, dia que reinvento
e suspiro, respiro, comunho com os marimbondos no pé de café forte que me
acelerou outrora. Prazeres e deveres, sentidos e sentires, amargo de beleza não
refinada que contribui para o acelerar do corpo que depois precisa respirar pra
relaxar. Paradoxos. Excesso e falta, tempo espaço, coisas e coisas e coisas,
pessoas que faltam e se excedem, sucedem. Tudo vai. Tudo parte. Tudo é parte. As
coisas e pessoas e sentires e devires. Deleuze e Manoel de Barros, Borges e
Sachs, o que fiz e o que não fiz. O como é que permanece. O Tejo de Pessoa e
sua beleza única, a mesma do quintal de Barros e do meu, e dessas palavras que
aqui despejo, num pensamento frequente e errante de que não terei tempo de
despejar todas as que quero, mas numa tranquilidade de saber que as que até
agora transpirei, o fiz com zelo, apreço e intensidade. Assim como o canto da
Siriema e dos pássaros tantos nesse goiabeira, os quais não sei o nome. Não
importa. Eles não se ocupam da taxonomia ou de sua Sistemática. Tampouco eu.
Não me preocupo em não conseguir, posto que tantos nãos ainda virão. Me ocupo,
isso sim, com o sorriso terno e envelhecido que me chama pro café quentinho. Me
ocupo na complacência do olhar imaturo e sincero do meu cão, a me pedir passeio
e a refletir o meu próprio desejo, que também quer passear e trocar e viver,
nessa manhã nem tão clara de domingo, em que me pergunto o que estou a fazer descrevendo e analisando palavras e
ideologias, quando existem sorrisos que um dia não verei e complacências
sinceras me esperando pra comungar a existência.
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