Meus 15 euros já se foram, junto com o gás que hoje não me deu comida nem banho quentes
O deserto já se foi também, junto com os camelos e os sares coloridos
Eu é que ainda aqui permaneço, comendo um Big Taste cujo gosto me lembra à guardanapo de papel, comido por engano junto com o sanduíche
O que talvez pudesse me consolar, no típico egoísmo humano, me desola ainda mais, i. e., um senhorzinho procurando, nos restos plásticos vermelhos e amarelos da mesa ao lado, algo com gosto de papel para comer
Minha divagação em torno do sunday de chocolate se esvai, assim como a pouca fome que ainda restava
Termino de comer o Big Waste, junto com os três sachês de Ketchup, que lembram algo parecido com tomate
Me lembro das notícias sobre a companhia de avião Low Cost com a qual costumo cruzar o céu - porém não desta vez, mais - a proposta de cobrança pelo uso do banheiro à bordo
Me lembro das lojas de 1,99 made in China, e penso nos olhinhos puxados que fabricaram a bolsa vermelha de 2 euros que comprei na semana passada, e que já teve o zíper quebrado
Lembro das minas de esmeralda de Minas e da história sobre as mortes no seu último desabamento de terra
Lembro do olhar perdido dos moços de Dublin, com seus copinhos de moedas numa das mãos e suas guarrafas de sonhos bebíveis e cheiráveis, na outra
Lembro do quadro de 200 euros com casinhas coloridas e meninos negros felizes correndo por entre seus telhados, em oferta na feira da praça de Ipanema.
Lembro da propaganda do Hostel do Rio: Favela Tour e volto ao Marrocos que não irei ao lembrar dos 10% já pagos pelo Desert Tour
Penso que devo vagar a mesa e lembro-me de jogar os plásticos e papelões com um M amarelo, no lixo reciclável
E penso: bullshit...
3 comentários:
Há muito tempo atrás, eu comia num trailler estacionado em frente a rodoviária. Tição Lanches (era famoso na época), lanche enorme. Um sujeito desce de seu carro prateado pede um lanche e não come nem a metade e joga no lixo com o saquinho plástico. Pela primeira vez vi alguém colocar a mão no lixo e puxar o resto. Tirei da mão do mendigo o saquinho, retornei-o ao latão e pedi mais um lanche pra ele. Isso acontece na ausência dos nossos olhos e na presença deles. Isso não diminui a nossa angústia, mas tbm não diminui o nosso poder de escrita. Vou por 2 pontos logo após aquela vírgula no chão. Um beijo
Olá Michele
Não sabia que tinhas este blogue, que merece ser divulgado. Julgo que seria boa ideia enviares à Heloísa o endereço para que seja divulgado pelos colegas da turma.
Pelo que li tens muito jeito para a escrita criativa. Espero que continues a ler muitos e bons autores para melhorares as tuas capacidades inatas.
Não deves desperdiçar o teu talento, por isso te aconselho a escreveres todos os dias, para aprefeiçoares cada vez mais as tuas qualidades literárias.
Se puderes visita os meus blogs (Algarve História e Cultura; e Promontório da Memória).
Um abraço do teu velho professor Vilhena Mesquita
essas lembranças são quase como um castigo: ao invés de libertar, prendem. mas há prisões preferíveis. essa é uma delas. saudade! :)
Postar um comentário